quarta-feira, novembro 29, 2006

A ESPERANÇA



Pela vidraça salpicada pela chuva, que não parara de cair, a esperança foi observando o movimento dos que passavam.

A esperança sempre teve a sua janela como um muro que a separa das realidades que se passeiam pela parte de fora da mesma.

A esperança, uma velha imagem na vida, nem magra nem gorda, de olhar vago e sonhador, mas sempre com a ténue cor da tristeza.

A esperança não tem artifícios. Não pinta os olhos nem os lábios. A esperança, com uns cabelos curtos e meio encaracolados, não deixa transparecer que fora uma louraça cheia do que se foi esmorecendo ao longo da vida, enche-os de espuma cinzenta, para que nem ela própria se reveja…

A esperança, que sempre vivera na vida, foi deixando-a passar, arrastando o passo, nos seus sapatos rasos, num passo mais lento, para ir sonhando enquanto caminhava… a distância foi-se dilatando; agora a esperança não mais vai apanhar a vida.

A esperança também fez projectos, deambulou pelos sonhos, deu-se à fé e perdeu-a. Chorou de alegria, gemeu de prazer, sussurrou palavras belas e outras não tanto. E muitas vezes cerrou os olhos rasos de lágrimas, por não se encontrar…

A esperança olhou muitas vezes o espelho e pensava sempre com aquela parte de si mesma que, floresceria em cada mente, como um belo roseiral espalhando um aroma primaveril e prometedor. Incoerente ideia falaciosa… A esperança nunca foi mais do que a faceta alienada da vida de cada vida…

A esperança vestiu a vida com as suas vestes negras e sem acautelar a distância, conduziu-se até ao Jardim das Despedidas. Pela última vez, a esperança diria adeus à sua própria esperança…

A esperança partira da vida, sem que ela se tivesse apercebido antes. Tardiamente, descobrira que mais só do que sempre soubera haver estado, a esperança apenas soube carregar no acelerador da existência e ir ao encontro do sem tempo, no Jardim das Despedidas. A vida sem a esperança, jamais terá razão de permanecer. Apenas será punição…

E nas suas vestes negras, esguia como uma sombra ao entardecer, a esperança deixou-se prostrada na lápide do sonho…

28.11.06

segunda-feira, novembro 27, 2006

A VIDA!


A vida passou. De passos miúdos e lentos para não escorregar, empoleirada que ia nos seus sapatos de tacão muito alto e fino como uma farpa. A vida descia a calçada, nas suas apertadas calças, deixando sobressair um enorme “posterior” cinzelado, pela espessa camada de celulite. A vida tentava bambolear-se. Tentava que as ancas, imperceptíveis, rolassem; mas o que se evidenciava era uma camada imensa de gordura na zona que deveria ter sido a cintura… e o estômago saliente e a barriga não menos, mais parecia uma gravidez quase em final de tempo.

A vida pisava o asfalto como se pisasse um delicado tapete, como se pisasse o palco na mais requintada passagem de modelos… e as mãos, numa posição snobe, gesticulavam em simultâneo que o corpo, para fazer notar as pulseiras que reluziam no braço e os anéis (uns quantos), nos dedos.

A rua estreita e íngreme ficou impregnada pelo cheiro a perfume, caríssimo, que a vida usava. A vida parecia querer deixar um rasto de si, ao passar pela ruela, que se tornava mais estreita e mais íngreme com a sua presença.

A vida, exuberantemente, cumprimentava quem se cruzasse com ela. A vida queria dizer a todos que estava ali. A cada cumprimento, parecia segredar: eu sou a vida! Vejam como sou bela, elegante, conhecedora, ágil… A vida exercia o seu fascínio. A vida fazia-se notar pela languidez do seu olhar e pelo constante ajeitar dos cabelos escorridos e pintados de uma cor em voga.

A vida tentava deixar transparecer um elevado grau de cultura, deixava que percebessem que ia a passar alguém muito versado em múltiplos temas e subtemas, que a vida na vida vai aprofundando.

E a vida percorreu o quarteirão, no seu passo inigualável. Atravessou o parque de estacionamento, meteu-se no carro e com um arranque impecável, fez-se ao labirinto da cidade, entre múltiplos cruzamentos até estacionar à sua porta.

A vida entrou finalmente na sua intimidade. Para trás ficara toda uma rua perfumada, feita de calçada escorregadia e todo o ror de gente que deixara cochichando, na esplanada onde elegantemente pedira e tomara um chá de ervas, como era elegante, actualmente.

Descalçou-se, despiu as calças que pareciam uma prensa que a deixava angustiada e finalmente respirou…

Sentou-se ao espelho, no quarto onde a cama a convidava a um relaxamento e olhou-se. Demoradamente olhou-se nos olhos e balbuciou meia dúzia de palavras: “Odeio-te!” “Odeio-te desde sempre! Sou gorda, deselegante, só sei o que os outros sabem e que copio, sem originalidade…” Num suspiro pegou num lenço de papel e limpou o batom, esfregou o rímel dos olhos e voltou a vociferar:
”Quem é esta?” “Que olheiras! Que lábios descoloridos!”… Levantou-se mas não olhou mais para o espelho. Estava consciente que qualquer árvore do parque que atravessara no regresso a casa, era mais esbelta do que ela, mesmo as centenárias…

E a vida atirou-se para a cama, cerrou os olhos e antes de adormecer ainda pensou que, a sua vaidade só servia para amarfanhar os que se atravessavam no seu caminho… e sonhou que ia numa padiola repleta de pétalas de malmequer, dançando a dança do ventre, entre chuva de flores e moedas de ouro…

Mas viva a vida! A vida é esta loucura e cada um de nós é esta demente existência…


27.11.06

sexta-feira, novembro 24, 2006

DIVAGAÇÕES


É muito difícil agradar a Gregos e Troianos! Compreendo a encruzilhada. Contudo, o Homem tem inteligência, para a usar aquando surgem dificuldades. Também há um ingrediente essencial, muitas vezes desprezado, que é a esperteza. Ambas são primordiais para que se possa ultrapassar quaisquer dificuldades de maior.

Mas como em tudo, há a esperteza dita “saloia”, sem que com isso se queira ofender os naturais dessa zona dos arredores lisboetas. Mas a “tal esperteza”, tem sido, no decorrer dos tempos, utilizada para enganar os reais “saloios”, isto já com a conotação de “parvinhos” …

Pois! Então pensavas que não te ia chegar? É isso mesmo! Estou a escrever para ti e todo o ser humano que me vier ler. Chega de me achares de “tansa” e aplicares todos os subterfúgios para me tentar “enrolar”. Eu sei que sabes que eu sei (onde é que já vi isto antes?), mesmo o que não disseste…? Sabes tão bem quanto eu, que as desculpas e a repetição de muitas vezes “estás a perceber”, não são senão uma forma ardilosa de querer mesmo, que não se perceba nada… Publicidade enganosa!!!

Mas os valores não se contestam: aplaudem-se! E sabes que tens muitos valores, muito embora, narcisicamente, os ponhas em evidência constantemente… para me chamares a atenção? Para me entupires as ideias? Talvez apenas para que não me concentre no que não queres que eu pressinta… Mas já senti!!! E não o podes negar. Comprei gato por lebre… mas só queria provar a mim própria que às vezes a publicidade é enganadora… é mais ou menos como as campanhas eleitorais… É tudo da melhor qualidade e depois é que se observa o outro lado da medalha… e é tarde demais para se devolver, para trocar e resta o ir para o lixo… embora já houvesse pago bem caro… Mas atenção! Mais vale deitar para o lixo do que se sofrer mais danos, que até podem ser irreparáveis… já tem morrido muita gente por não acautelar a inoperância do objecto adquirido… Morre-se de desgosto ou comete-se suicídio…

Será que a caçarola eléctrica, o colchão de água, o preservativo, não vão ficar de consciência pesada, por a sua má qualidade ter levado à morte dos seus utilizadores? Possivelmente nem pensaram nisso, como objectos que são, e ainda por cima, manobrados por terceiros em via dos lucros… … mas há seres humanos com este tipo de actuação… Estou a lembrar-me do último chapéu de chuva que comprei… à prova de vento, assegurava-se que não virava, varetas à prova de toda a intempérie… enfim! Uma importação que me custou mais de dois mil euros e fez o mesmo papel que qualquer um outro, adquirido na feira de Cascais… é o mesmo que vai acontecendo com pessoas… aqui, investe-se em sentimentos, emoções, amizade, dedicação, carinho, Amor! E compensatoriamente ficam as frustrações, a depressão, o desgosto: mais um luto, quando não o suicídio…

Mas tudo isto apenas prova que realmente é muito difícil agradar a Gregos e Troianos… é como nas histórias de amor… amam-se duas/dois, não se quer perder nenhum até ao dia que aparece uma terceira personagem e fica-se entre a espada e a parede… (são os encantamentos extemporâneos) e perde-se quem menos se deveria perder… Era a única pessoa que poderia aceitar, respeitar e amar, mesmo com todas as lacunas que sabia existirem… mas como nas publicidades, as pessoas são mesmo assim.

Mas não fico por aqui. Vou entrar na blogosfera e vou ver o que se escreve e o que se comenta… incrível! Há clãs de aduladores que cumprimentam (por favor?) as/os seus ídolos, mesmo que estes apenas escrevam o que outros escreveram… Para quê? Para dizerem que estou aqui, venham cá ver-me, ou para mostrar aos outros que não são comentados, que “não vales nada” ou então, para não terem de justificar porquê deram atenção a quem não se queria que essa atenção fosse dada… Não reclamo comentários e muito menos ciumeiras… porque há quem não comente por “falta” de inspiração… para quem vem a seguir ler, não se molestar… então comentam-se de outros, com frases pomposas, para se mostrar “muito bem” em relação a uns e que se é indiferente em relação a outros… formas curiosas da existência do ser vivo… Compreenda-se lá estas ambiguidades… também se passa o mesmo com o uso do sistema Messenger… para uns “não há pachorra” para outros, há muita conversa… … ...


24.11.06

sábado, novembro 18, 2006

PALAVRAS QUE NÃO QUERIA DIZER


Queria que este dia jamais existisse no calendário. Melhor, que jamais tivesse existido, nem todos os outros que permitiram que este fosse um dia que me traz mágoa e saudade…

Olhei em redor e vi muitas, muitas palavras. São palavras que usas, palavras que tens em “stock” e vais distribuindo por aqui e por ali, permitindo que se recolham todas as que convêm a quem as lê…

Olhei para a minha folha de papel em branco e timidamente deixei que as primeiras palavras dançassem, sempre com o mesmo pensamento – que direito tenho de macular algo tão puro, como esta folha de papel em branco?

As tuas palavras frias, destituídas que qualquer carinho, penetraram como agulhas, como quando se toma uma injecção… foram essas, apenas as que encontrei, aquelas que vou usando para agredir esta folha de papel tão branco…

Voltei a folhear a tua escrita. Procurei incessantemente quaisquer palavras que perturbassem o meu eu e me deixassem em êxtase, num orgasmo alucinado, consequente de ternuras verdadeiras.

Por vezes é tolerante. Escreves palavras mais suaves. Hoje não as encontro… mas ser tolerante, como quem dá uma esmola, para consolo da sua consciência, é o mesmo que agredir quem já está magoado…

Outras vezes empregas palavras de assertividade, como forma de aceitares certos comportamentos… mas só para quem tem o dom de encontrar nas tuas palavras, todas as que têm significados sensualmente enganadoras… e fica esquecido que assertividade é a capacidade de nos expressarmos aberta e honestamente, sem negarmos o direito de outrem…

Hoje, mais do que qualquer outra vez, procurei nas tuas palavras o que não consegui encontrar: o refúgio para a dor de uma saudade revitalizada pelo teu desdém… Cada palavra, apenas foi mais um tijolo no alto muro que vais construindo, deixando uma alongada sombra por onde me vou movendo como se fora um fantasma…

A minha bela folha branca, agora toda preenchida de palavras que te tirei, não é mais do que uma irrealidade. A minha irrealidade nas tuas palavras reais…

17.11.06

domingo, novembro 12, 2006

11.11.06


Um sorriso! Mas o que é o sorriso? Questiono-me muitas vezes sobre o sorriso. Olho em volta e quase não há ninguém com os lábios sorridentes, com os olhos sorridentes… há sim, um painel de olhares distantes, com uma profunda tristeza lá bem no fundo, e os lábios, bem cerrados numa atitude hostil, triste, até desesperada…

Passeio o olhar por quem me rodeia e sinto que toda a tristeza que me invade, não pode ser transparecida e sorrio… Sorrio porque o sorriso que deixo deslizar pelo meu rosto, é um gesto de simpatia, quando não de amizade, pois que há uma carência absoluta de amizade, entre as pessoas.

As primeiras quatro horas de formação passaram e devo acrescentar que o conteúdo foi magnífico. Começámos com o habitual quebra-gelo, apresentando-nos, falando um pouco de nós e falando de perdas que nos marcaram pela vida fora.

Falou a Margarida primeiro, porque estando a sala armada de mesas em U, ela senta-se na ponta direita, o que significa que eu a última, por estar sentada na ponta esquerda…

Chorei. Chorei porque passei em revista todas as perdas da minha vida, algumas tão dolorosas, que seria impossível não me comover ao recordá-las e falar delas… Estamos num ambiente de Psicologia, por isso, há uma interacção muito positiva entre todas nós. Senti-me apoiada e acarinhada… afinal, cada uma de nós fez uma regressão ao passado…

Recordei que, já no próximo dia 17, vai passar mais um aniversário de uma das grandes perdas de toda a minha vida… E falei da ansiedade de afastamento que estou a atravessar, pela distância física, de uma marca definitiva no que resta da minha vida…

Quão estranho sentir o que se esforça querer não sentir… é quase contraditório…

Depois, no intervalo do almoço, fui bebendo uma xícara de chá verde e conversando… às vezes sinto-me a conversar comigo, contigo como interlocutor. É estranho, mas sinto-te como a parcela que me faltava, ou que andava perdida… Finalmente encarei, frente a frente, o que não havia admitido antes. Mas não me importuna. Respeito. Devemos ter respeito pelo que sentimos, para não vivermos pesadelos e deixarmos que o sorriso nos morra nos lábios…

Acabou o intervalo de almoço. Agora e até perto das dezoito horas, vamos continuar a falar de separações… divórcios… perdas. Causas, consequências e formas de contorno e acompanhamento de situações mais difíceis…

Quase nem se deu pelo decorrer da tarde. Preferimos não fazer o “coffee brake” e assim sairmos um pouco mais cedo.

Ainda o ouvi dizer que “ela está fina”… (a mana teve a gentileza de perguntar se ainda faltava muito para o meu fim…).

E depois veio a longa e infindável noite… Não interrompi, nem jantar, nem serão, nem boas disposições… eu estava demasiado cansada e demasiado triste, depois de um dia em formação, tão extraordinariamente enriquecedor.


12.11.06 – 01:15