sexta-feira, junho 16, 2006

REFLEXÃO SOBRE O REBATER DE QUESTÕES

Cheguei ao varandim e vi uma multidão aglomerada lá em baixo. Detive o olhar e vi um milhão com a mesma expressão. Um olhar vago e perdido. Outro milhão deixava transparecer uma tristeza sem limites e ainda outro mostrava uma expressão de expectativa… afinal eu não estava só entre aquela multidão…

Saí da varanda e sentei-me em frente ao espelho e tentei falar com aquele ser que se sentava à minha frente e perguntei-lhe porquê tudo isto? Porquê temos de procurar sem ver e ver sem observar. Porquê não aparece frente a frente de cada um de nós o outro ser certo, correspondente à outra metade. Porquê vagueiam os nossos olhos entre multidões e não conseguimos nada mais do que ver quem não nos vê?

O tempo que passamos a olhar é uma medida incomensurável. É uma eternidade… e nada vemos… apenas olhamos e nada se detém na nossa visão…apenas na nossa recordação… e longínqua como a eternidade que nos separa da realidade.

Todos já passámos por o alguém que nos poderia deter, mas não reparámos e esse alguém passou, quase despercebidamente…para depois ficar apenas na lembrança… nada de nós deixou uma marca que fizesse deter esse alguém, que o fizesse estremecer, que o fizesse sentir o eco do nosso pensamento… mas é assim… há que não parar e por isso me levantei, arrumei a cadeira e voltei ao varandim… mas não havia mais ninguém na praça. Dispersaram-se, perderam-se nas ruas e vielas e eu vou continuar a ouvir a passarada que numa algazarra infernal disputando os seus ninhos, no arvoredo do parque…

A tarde vai descaindo, cinzenta e chuvosa e para que não morra de tédio, vou escrever umas linhas ao som da chuva que resvala pelo mármore da varanda. Vou recordar, como todos os que estiveram na praça, aquele amor que por mim passou e eu não vi, por ter os olhos na direcção errada…

16.06.06

HISTORIAS QUE A VIDA NOS ENSINA



Uma simples pergunta que deu origem a um elo nas relações entre seres humanos. É verdade!

Agora sei que ela se chama Quelinha e ele, apenas Amor…

Os horários dos comboios sofreram alterações em consequência de ser feriado. Quelinha pediu-me para lhe explicar porquê não havia o comboio do costume. Acrescentou que estava ainda em convalescença de uma grave depressão e por essa razão se confundia e entrava em stress tão facilmente.

Percebi desde logo que tinha uma sede imensa de se abrir e falar. Precisava de alguém que aceitasse o que fazia e de como o fazia e o que a levava a fazê-lo.

Choramingou. Não deixei. Dei-lhe toda a força. Toda a que não sinto em mim, mas que de não sei bem donde, consegui fazê-la sorrir, quando a minha alma chora torrentes de lágrimas, que apenas se perdem no meu peito, porque não existem ombros solidários.

Tentei dar segurança e criar autoconfiança em Quelinha, que receava não ser capaz de acertar na estação onde haveria de sair.

Tocou o telefone dentro da mala dela e respondeu com um “Amor”, que estava acompanhada e apoiada. E assim foi, até a ter entregue nos braços do seu “Amor”.

Quelinha contou-me ser casada, mas que desde os trinta e dois anos, o marido, que sofrera um acidente vascular grave, derivado a um tumor cerebral e desde essa altura, apenas era um bebé. Passam entretanto trinta e três anos…

Depois contou que tipo de medicamentos toma diariamente, quem são os seus médicos e como conheceu a pessoa com quem se ia encontrar.

E o comboio chegou à estação para onde íamos. Descemos e de novo o telefone tocou. Disse-lhe onde estava e que eu a acompanhava. Ele chegou. Um homem já meio idoso, aliás, como Quelinha e muito bem parecido e tão gentil…

Formavam um par perfeito e lá seguiram, enquanto eu me afastava para seguir para onde ia.

O resto do dia decorreu sem incidentes e nunca deixei de pensar naquela mulher e naquele homem, que sem deixarem de respeitar os seus compromissos, partilhavam um carinho belo e ternurento, que lhes vai dando força para continuarem vivos e com coragem para enfrentarem os revezes das suas vidas.

Esta lição de vida permitiu-me ver com certa lucidez o que me preocupa muitas vezes, porque o preconceito de certas teorias acaba por atrofiar o que mais belo temos dentro de nós – o Amor!...

13.06.06