Passei anos a abrir a janela da varanda para admirar o Monte Gordo, logo pela manhã cedinho, sentindo ora a brisa suave da Primavera, ora o agreste vento do Inverno ou o atrevido e insinuante vento do Outono, cheio de nevoeiros, deixando mistérios para além da cortina meio opaca, a esconder o Tejo…
Passei anos a olhar a metamorfose dos verdes, entre os verões quentes e os Invernos frios e húmidos. Observei as aves, umas canoras, outras de grunhido agudo, ao anoitecer… e desde a minha janela da varanda fui sempre esperando, para além do mais, o ver-te…
Via os carros da primeira curva, os que desciam mais afoitos, os destravados e em perícia guinchando na ultima curva da estrada… quando se aproximava o teu, ficava esperando do outro lado, até ouvir o puxar do travão de mão… passei anos a acompanhar todos estes pequenos sentires. Agora! Para agora, ficar perdida, por trás dos vidros, sem abrir a minha janela da varanda, para não me constipar e poder agravar o estado daquela saúde que julgava ter, mas que não terei mais…
Passei anos a respirar o ar que entrava sem pedir licença e muito informal, me lambia o corpo, me enchia a cara de um torpor, como quando se ouve uma bela melodia ou se imagina a língua a roçar a pele das costas… passei anos a esperar…
Durante estes anos em que num ritual quase que sagrado abria a janela da minha varanda e esperava que seguisses estrada acima e que pelo fim do dia esperava que regressasses… esqueci que os anos passaram… passaram mesmo!
Hoje a janela não se abriu uma vez mais. Esteve de chuva e um tempo carrancudo deixou-me mais amedrontada… apenas falámos.
A noite desce e os silêncios intercalados com os barulhos característicos vão embalar mais um dos meus pensamentos, carregados de revoltar e fúrias, por guardar para cá da janela, que mantenho fechada, os desagrados em que vamos vivendo, com contrariedade.
E não respeitando absolutamente nada nem ninguém, o tempo entreolha o tempo e deixa-me aqui, um ror de meses passados, continuando à espera, agora não de vida, mas de uma morte assegurada que um dia destes virá, como visita de cerimónia, mas que ao sair me levará, com todas as promessas que nunca soubeste fazer-me… e eu carente de todas as belezas que deixei de ver pela minha varanda, vou acreditar e deixar-me levar, como que me certificando que finalmente estou certa…
Nem olharei para trás para me despedir. Não terei tempo ou talvez, se o tiver não o farei… poderei estar a recordar as vezes que saíste e nem te lembraste que poderia estar na varanda para te dizer adeus…
E agora tudo está diferente. O Monte Gordo ficou com muitas construções, novos bairros, onde irão viver outras gentes, onde outros costumes se instalarão e se ainda por cá estiver, apreciarei todas essas mutações…
04.08.08
segunda-feira, agosto 04, 2008
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2 comentários:
Estou cansadíssimo. Tudo por causa do teu primo. Tive que lhe responder à letra. Quase morro. Abafado. Mas sobrevivi. Só que tive que abrir a janela. A tua janela. Antes que partisse os vidros. Por falta de ar. Não a feches já. Deixa sair o fumo. Estive a fumar na varanda. Não encontrei outro sítio. Não esperes a morte. Está atrasadíssima. Cansada como eu acho que se meteu nas entrelinhas do teu primo. E adormeceu. De qualquer modo ela há-de surgir na curva da estrada. Lá longe. A passo de caracol. Dá tempo para ir andando na frente dela. Não sou médico, mas a cara dela tem o burnout estampado. Que morra. Diverte-te. Beijinhos.
Caro nilson, achei piada ao comentário, porque jamais pensei que alguém tivesse coragem de imitar Luís de Sttau Monteiro, na sua escrita sem pontuação... Saramago também fez isso... e fê-lo muito bem...
É verdade, depois de abordar o tema Burnout, vou escrever sobre outros, que penso ser importante dar a conhecer...
Um abraço "King size" e até outro dia...
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