sexta-feira, outubro 24, 2008

NO PAPEL


A palidez do papel branco aceita a minha tinta preta e recebe todas as letras que lhe vou deixando como se fossem desenhos simétricos e repetidos…
Todas as letras fazem palavras que, muitas vezes traduzem beleza, outras apenas deixam ler a tristeza ou ainda pretendem esconder as cicatrizes que vão perdurando na alma…
Cicatrizes são muitas vezes amargores que se fixam e perturbam o dia a dia. A distância origina pesares que se vão acumulando e quando damos conta de nós, estamos num sofrimento incomensurável…
Parti várias vezes. Sempre a sonhar que tudo iria ser como sonhara… mas que engano! Apenas somei dores e sempre mais só.
Lembro-me do Cais de Alcântara e da largada do navio….Recordo sempre o olhar da mãe e do pai… e entre a multidão que apinhava o cais, em despedida dos que partiam, havia um par de olhos castanhos que ficaram gravados no meu peito…
Como me lembro de ter passado tantos dias a chorar… enquanto outros passavam-nos enjoados… mas a saudade dominou todos os meus pensamentos, apenas desejei virar a página o mais rapidamente possível… que saudade!
As cicatrizes também podem ser arrependimentos… alguns! Mas todos os passos apenas serviam para me justificar à solidão.
Depois, um dia, parti em sentido contrário. Foi o que decidi. Foi doloroso. Gostava do que fazia, gostava de toda a gente e das flores que cobriam as árvores da minha rua. Mais uma vez ficaram olhares perdidos entre o céu e a terra, de todos os que jamais voltarei a ver… saudade! Talvez mais umas cicatrizes…
Mas nem sempre fui eu que parti! Que lutos dolorosos tenho atravessado. Há sempre alguém que se vai… e não volta mesmo, ou deixa-me no esquecimento, porque viver é tudo isto. Ou se fica perto ou se fica longe, cada vez mais longe até que a distância passa a ser outra vida.
A palidez do papel aceitou minha escrita. Aceitou as lágrimas que foram escorregando pela face e deixou que a saudade que me aperta a alma fosse um longo suspiro moribundo…

24.10.08

1 comentário:

Maria Clarinda disse...

Que maravilha de texto...levou-me também a mim a esse lugar...apanhando o Infante D.Henrique ,rumo ao meu País...um dia também fiz a viagem ao contrário...e...essa doeu e doi demais.
Jinhos mil no teu coração