sábado, setembro 02, 2006

NA ESTRADA


Meti-me no carro. Deixei-o trabalhar a seu ritmo e fiz-me à estrada. Estreita e muito arborizada, com as bermas mal estimadas e com curvas acentuadas. Conduzi.

Deixei que o CD corresse no seu receptáculo, transmitindo sons melodiosos do “Alegro moderato” de Peter Tchaikovsky.

Cada árvore parecia uma viúva. Pareciam todas negras e solitárias, como que abandonadas. Eu era mais uma, mas conduzia. Conduzia. Ora aumentando a velocidade, em rectas, ora muito devagar, se as curvas se sucediam.

Os momentos pareciam eternidades e com o depósito cheio, nem me lembrava que havia de precisar de mais combustível.

Olhos meus, que nem sei se viam estrada ou se viam um prolongamento do manto negro que me cobria.

Nunca entendo se estou triste, se cheia de medo. Por isso vou acelerando, mas mais uma curva e muitas árvores de ramos erguidos, como que pedindo auxilio, mas a quem? Se todas estão perto e tão longe umas das outras?... Parecemos nós. Estendemos os braços, mas nunca se tocam as mãos… olhamo-nos nos olhos e não conseguimos ver-nos. Pensamos no mesmo e jamais encaramos a realidade.

Aquele choupo enorme, com um ar tristonho como o de um cipreste, pareceu-me dizer algo. Abrandei. Parei na berma, porque não havia nenhum precipício e podia encostar, sem prejudicar quem quisesse passar… mas na minha estrada não passa ninguém.

Era esse o desabafo?! Somos velhos troncos ressequidos, por uma idade não contável, à beira de uma estrada, que não sabemos onde vai dar… uma estrada sem uso, esquecida. Abandonada com as suas próteses e maleitas, que afugentam os jovens, porque passamos a meter nojo… uma estrada solitária e abandonada.

Na verdade, não há marcos nem painéis, a referir a próxima localidade. Não há semáforos para controlo da velocidade e com as bermas tão mal estimadas e em alguns sítios com os capins a invadirem o asfalto, muito esburacado, parece uma estrada para o fim do mundo…

Mas onde fica o fim do mundo? Além, muito além no horizonte a perder de vista, sempre com esta serpentina negra em frente, conduzo. Estreita-se a serpentina negra frente à minha vista atenta, porque há mais buracos… e sinto-me num baile de máscaras no fim do mundo, onde tudo é preto, não faltando as serpentinas pretas, como aquela por onde vou conduzindo, rumo ao fim do mundo. Afinal para ir a um baile de máscaras…

Não quis nada. Não pedi nada. Dei.

Dei tudo: a liberdade, o amor, os bens materiais, a alegria - a vida. Mas apenas me deixaram a estrada estreita e esburacada, ladeada de árvores tão negras quanto eu e tão velhas que como eu, que para nada vão servir, a não ser para arderem um dia destes, se algum pirómano se sentir feliz a ver as labaredas consumindo estas velhas tontas, que imaginam que ainda têm direito a olhar o sol por entre alguns ramos que vão mantendo viçosos…

As curvas lá à frente são bem apertadas. Desta vez vou pôr o pé no acelerador. Vão ver como sou perita. Ainda tenho mão no volante. Conduzo com prazer. Mas desta vez vou mesmo acelerar, para morrer.


02.09.06

1 comentário:

Leonor C.. disse...

O amor pode expressar-se de várias maneiras. Os sentimentos que nos provoca podem ser os mais variados.