domingo, outubro 22, 2006
VIVER, QUE ESTRANHO !
Estranho. Parece-me ter tido o pensamento de férias e de repente, ontem à noite, depois do trágico incidente que tirou a vida a uma louva-a-deus, que vivia no meu vaso de hortelã, devorada por um mocho ou pássaro semelhante, assaltaram-me ideias e recordações que me transtornaram completamente, ao ponto de não ter conseguido dormir.
Sem que tivesse havido razão próxima, recordei-me de uma grande amiga, que se suicidou há quase três anos. Recordei-me do namorado e por acaso até o vi na esplanada da pastelaria Suiça, com o jovem, cujo olhar apaixonado me fez pressupor que era a nova companhia. Nem olhei, para não haver cumprimentos…
Vieram, como em filme, ideias e ideias que mais pareciam sinos a tanger, para me acordar de algo que não consegui interpretar bem…
Fantástico! De todo o desenrolar de pensamentos, intercalados com outros pensamentos, como se fosse um croché, apenas ficaram dois temas que me fizeram vir escrever. Sim. Quando aperta a angústia e a ansiedade se apodera de mim, só a escrita resolve e consegue acalmar a aceleração deste velho, cansado e apaixonado coração…
Mas sem fugir, o primeiro tema que me ficou martelando nas fontes, como que um tiquetaque de relógio antigo, foi o abordado num dos Blogs de um “amigo virtual”, sobre amizade e onde transcrevia um excerto do livro “Amo-te” de Francesco Alberoni, que também transcreverei e que analisarei posteriormente, só para que compreendas porquê me transtorna a não verdade ou a omissão:
“… … …
Os amigos mantêm-se unidos porque descobrem, pouco a pouco, que têm afinidades electivas, porque fazem um esforço voluntário de ajustamento recíproco, procurando o que os une e não o que os separa. Mas se aparecerem divergências ideológicas, contrastes de interesse, ou se alguém se comportar de forma eticamente incorrecta, a relação amigável quebra-se e, normalmente, a ruptura é irremediável. O amigo pode perdoar a mentira, a traição, mas as coisas não voltam a ser como antes. A amizade é a forma “ética” do eros. Também o sentimento amoroso da amizade depende da construção comum de um mundo e da sua identidade. Intensifica-se nos momentos de mudança, de crise, quando nos abrimos ao amigo, lhe pedimos apoio e conselho. Intensifica-se com a troca de experiências, enfrentando juntos os problemas, combatendo lado a lado contra um adversário, uma ameaça, como dois caçadores, como dois guerreiros.”
Pois é! “Amigos” há-os muitos, mas amizade é algo de muito profundo e até complicado de manter. Amizade implica liberdade e liberdade só existe se soubermos respeitar a do amigo e vice-versa. Ter um amigo ou ser amigo, é ser cúmplice, é ser companheiro, é ser compreensivo e compreendido. Há um esforço voluntário de ajustamento recíproco, e tudo decorre bem…
Montaigne disse que «Na verdadeira amizade, dou-me ao meu amigo mais do que dele quero para mim.» É exactamente a forma como entendo que se deve proceder e é como realmente tenho procedido até aqui. Aristóteles desqualifica as amizades estabelecidas com base na utilidade ou simples prazer. Todos e sempre a estabelecer diferença entre amizade e interesses.
Ainda referenciando Alberoni, “o amigo pode perdoar a mentira, a traição, mas as coisas não voltam a ser como antes”, porque no perdoar não está implícito o esquecimento… e não se pode pôr de parte a componente amorosa que surge numa profunda amizade… “A amizade é a forma “ética” do eros. E “o sentimento amoroso da amizade depende da construção comum de um mundo e da sua identidade”. No entanto, se essa construção vem com base em interesses, sejam quais forem, então a amizade é frouxa e desfaz-se quase que abruptamente, pelo menos por uma das partes.
Em amizade, se se omite, estaremos a lesar essa amizade. É preferível uma discussão à perda de confiança…
Nas conversas entre amigos, o tema não é importante, porque se debatem todos com o mesmo entusiasmo e pesquisa-se e procura-se e encontram-se formas de completar ou complementar o que houvera sido tema, ou que virá a ser de novo…
O amigo é o irmão, é o primo, é muito em particular o ombro onde se derramam as lágrimas que não sabemos chorar sozinhos. No amigo está o carinho que mais ninguém nos sabe dar. Está o beijo mais doce que jamais alguém nos deu… no abraço mais apertado que nos dá força, está no rasgo de felicidade, que só por felicidade o amigo nos dá… Amigo! É quem aviva a nossa memória de passados do passado. É quem acalma a fúria de qualquer situação controversa. É sobretudo, quem nos acompanha aquando a solidão se apossa de nós e nos deixa de rastos… mas que nos põe de rastos, se nos magoa, mesmo que inconscientemente.
Dissertei sobre amizade, mas não esqueci o outro tema que me fez pensar, pensar muito… e sobre o qual escreverei mais logo…
Inspirado no texto de
e no do Blog
com o devido respeito
21.10.06
isabel
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4 comentários:
Joaninha, basicamente ao afectos sentem-se ou não. Tudo o resto é retórica, perdoar-me-ás.
Um beijo
Olá, Joaninha! Passei por aqui para conhecer o Caderno e, também, este blog. Gostei muito. Embora ache que a Joaninha tem uma escrita que transparece desencanto e tristeza.
«Da resistência da matéria / O que se retém? Nada, quando muito o belo.» (Czeslaw Milosz).
É complicado. Por vezes as coisas acontecem quando menos se espera.
Por vezes as coisas não têm futuro e resta a amizade:
"A amizade é o amor sem asas" (Lord Byron)
Viver é uma aventura cheia de riscos, de atalhos e de sonhos dificilmente alcançados. Mas há que viver e que contiuar a sonhar!
Beijos e bom fim de semana
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