sábado, junho 28, 2008

EFERVESCÊNCIAS DA MEMÓRIA


Irrita-me profundamente que me tomem por idiota ou que me queiram deitar poeira nos olhos. Essa de tapar o sol com a peneira, pode aplicar-se às politiquices e aos politiqueiros da nossa praça, mas eu sou antiga como o escaravelho e deixei-me de andar em cantigas há muito tempo…
Pensavas então que não te entendia? Apenas fui fazendo de conta que ignorava… porque me convinha ignorar… mas por agora é tudo, nada mais a dizer…
Utilizei as cartas que tinha para jogar e fui jogando até ao momento que tenho força para te dizer que podes ir dar uma volta… e grande, para demorar muito… Sabes? Passaste as marcas e de prazo: fora de moda!
Fui ler o maço de cartas que me escreveste durante muitos anos. Que confusão de sentimentos! E achas que eu ia acreditar em tanta palavra com significado duvidoso? Usaste-me. Mas tudo é até um dia… e às vezes até ao dia que nos convém…
Quando mexemos no passado, mesmo que seja um passado recente, ficamos sempre com a disposição perturbada; se há coisa que me irrita, é recordar certas pessoas em quem confiei e que me usaram como quem põe um chapéu ou um par de luvas… Claro que és mesmo tu! Embora haja muita Maria na terra… a Maria a que me refiro és mesmo tu… ou haveria alguém com tanta “lata” como tu? … No entanto, acho muito divertido recordar-te. Tens sempre uma opinião sobre tudo, criticas todos e és sempre a pessoa mais rápida a lamentar a sua condição física, emocional e até económica… realmente se não existisses, terias de ser inventada… Comparo-te a certos dirigentes, que de nariz empinado, se fazem passar por excelentes pessoas… porque nunca ninguém lhes contou a história do “Rei que ia em ceroulas…”


28.06.08

sexta-feira, junho 20, 2008

IRREFLECTIDAS COGITAÇÕES


Parei. Tudo parou em meu redor. Sinto-me como que atordoada como se tivesse sofrido uma pancada forte na cabeça. Sinto-me às vezes desta maneira, sem que isso queira dizer que estou deprimida… mas se calhar até estou…. Mas na verdade o que estou é triste.
Perguntaste-me porque havia escolhido o deserto para caminhar e eu respondi-te que no deserto não deixamos peugadas… e sempre esses porquês! Porque… porque não estava interessada em ser seguida… e tu segues-me e persegues-me por toda a parte…
Detesto gente intrometida e tu primas por sê-lo. Perguntas onde estou, onde vou, com quem estou ou de onde venho ou com quem estive… não queiras saber mais do que aquilo que pretendo dizer…
Essa justificação é mesmo tendenciosa… então é por gostares muito de mim que queres saber tanto?... Isso é treta! Sabes? não acredito em nada disso.
Em todo o meu interior choro, são rios e rios de lágrimas que se esgotam dentro de mim. É a tal tristeza que não sei definir, sinto-me como se chorasse pela minha perda.
Se ao menos não houvesse a pessoa errada, se ao menos pudesse gritar que aquela lápide é a nossa e não a de desconhecidos… amar assim, tão infinitamente, quem nem repara que estamos do outro lado da rua… por isso penso que todo o trajecto pelo deserto foi em vão…
Será que vou resistir a mais esta prova? Essa é a pergunta que faz latejar a minha testa e para a qual nem tu nem ninguém encontra resposta… mas talvez baste dizeres, de lá dos confins da minha memória, que estarás comigo… mesmo nesta distância incomensurável…


20.06.08

sábado, junho 14, 2008

DA TRAPEIRA DAS ÁGUAS-FURTADAS


Fui visitar as águas-furtadas da minha imaginação e deixei que o tempo passasse sem que olhasse o marcador do tempo, para que à vontade pudesse desfrutar de todo o tempo que me restava…
Da trapeira, com teias de aranha, olhei a distância que o horizonte me proporcionava e deixei que a greta de luz do sol entrasse e me deixasse ver as muitas palavras que havia deixado, muito alinhadas, naquele tempo, antes de ter partido… e regressado…
Como separador das minhas palavras, sempre o teu nome. O único nome que queria esquecer.
Passei os olhos por tantas palavras e reconheci algumas… foram as que me devolveste em tempo, por achares fora do tempo essas palavras que te dera… mas eram tão sinceras…
Sacudi o pó do banco ao canto, perto da trapeira, e sentei-me com a cabeça encostada na minha imaginação. Com os olhos fechados e numa posição relaxante, fui revivendo todas as etapas que havia guardado em tempos… mas sempre tu presente, mesmo que o não queira…
Aquele poço escuro, de um escuro acinzentado, como se fora o túnel de um vulcão. Muito comprido. Parecia que deslizava no ar, sempre a descer e sem vontade de parar… um sono inexplicável, uma perda de força progressiva… uma vontade a desvanecer como a chama de uma lamparina onde o azeite já se esgotara… era eu!
Longe, muito longe aquele portão enorme. Metálico? Possivelmente. Mas de um verde muito escuro, mesmo muito escuro, como se tivesse sido misturada tinta preta para escurecer o verde…
As mãos abertas encostaram-se ao portão. Será que o queria abrir? Jamais o saberei. De repente, senti-me impelida para o túnel e subi-o, não sei explicar como…
Todas aquelas vozes nada significavam… dormia… estava tudo tão longe… como tu estás agora, que nem pensas como estás em meu pensamento, mesmo contrariando a minha vontade…
Abri os olhos. Os raios de sol que atravessavam a trapeira brincavam na minha cara e voltei a olhar para as filas de palavras alinhadas no outro lado das águas-furtadas… e também recordei algumas palavras que ouvi naquela madrugada “está viva!”. “Sabe? Entrou em coma, mas agora está tudo bem.”
Não quero recordar mais nada. Levanto-me e deixo a minha imaginação só, nas águas-furtadas da minha imaginação, a receber os raios de sol que passam pela trapeira com teias de aranha… vou esperar que me recordes…


14.06.08

quarta-feira, junho 11, 2008

OASIS II

Verdejantes as terras circundantes dos poços, ruínas de construções antigas, labirínticas, que mais parecem locais de brincadeira de crianças, em vez do tão almejado oásis a que cheguei.
As palmeiras e as outras plantas exóticas, muito viçosas, convidaram-me a um descanso… um descanso no meio do deserto, num oásis perdido…
Dormitei e quanto sonhei!... ouvia-te ao longe num sussurro terno, dizeres quanto me adoravas… e eu perdida neste deserto… para que serviam todas essas palavras?!...
Retemperadas que estavam as forças, das poucas que me restavam, e tão desejosa estava de te rever, que partir.
Voltei a enterrar os pés na areia poeirenta e voltei a ver imagens fantasmagóricas desenhadas em sombras nas dunas, que pareciam estar sempre em movimento.
Andei tanto! Não! Revivi. Numa cama de um hospital, numa sala de cuidados intensivos, tentavam dizer-me que sobrevivia…
Passadas horas, sim, percebi finalmente que parara naquele limite que separa a vida da morte… e voltei.
Voltei sim, voltei a viver e foi tão bom voltar a ouvir-te, a escutar todas as frases com que me deleito e me dão animo para continuar a viver.
Não sei se conseguirei repetir a travessia do deserto…


19.05.08

terça-feira, junho 10, 2008

OASIS I

Nas primeiras passadas senti os pés mergulhando numa areia finíssima e poeirenta. Iniciava a minha caminhada por um deserto a perder de vista…
De um amarelo especial e resplandecente ao iniciar o dia, ia mudando as suas tonalidades conforme a posição do sol, para, ao crepúsculo, parecer um mar de pó de ouro velho.
As sombras das dunas agigantaram-se à minha frente e o cansaço ia dominando todo o meu ser… como pesavam as passadas na areia, que parecia criar crateras a cada avanço…
Tinha de caminhar e sem parar. O destino era um oásis. O oásis onde poderia tentar recuperar as forças e onde finalmente poderia respirar, sem ser aquela poeira amarelada…
A intensidade da dor dentro de mim, mal deixava coordenar os pensamentos e apenas me obcecava a ideia de chegar ao oásis…
Depois de dias sem fim, caminhando, por vezes em profundo sofrimento, pareceu-me ver, muito ao longe, o oásis, objecto da minha procura… Tive alento e voltei a imprimir uma certa energia ao meu caminhar, para me certificar que não era apenas miragem… e mais uns passos, e outros, e finalmente podia distinguir as palmeiras no recorte do horizonte…
A primeira fase da minha viagem estava quase realizada… como poderá ser no oásis?...


28.03.08