terça-feira, julho 31, 2007

SEGREDOS


Naquele ninho, mesmo no meio do eucalipto em frente à minha janela, há um segredo. Um segredo de amor.

São tão belos os segredos de amor! São secretos e deixam no ar poesia. Como canta aquele par de passaritos! Chego a pensar como aprenderam eles a ser assim tão amorosos… Coisas da Natureza!

Mas há seres que também têm segredos. E segredos de amor. Como farão? Deve ser maravilhoso ter um segredo assim…

Mas no nosso quotidiano, nem sempre os segredos de amor dão uma felicidade plena…

Ontem voltei a estar com o Carlos e a Maria. Como pode a doença abalar a felicidade destes seres, que tanto idealizaram nada os perturbar…

Pois é, o Carlos é um homem de cinquenta anos, franzino, moreno e com um bigode farfalhudo e uma voz um tanto enrouquecida, como a de um fadista, fumador e com alguns copitos… mas é um homem com encantos e sofrimentos também… Sofrimentos, porque vive a ansiedade própria de quem receia perder o seu amor.

A Maria, de estatura abaixo do comum, deverá ter de altura um metro e meio, mas com um ar delicado e, sobretudo, sem aparentar os seus setenta e sete anos…

O Carlos esperou vários anos pela Maria. Quando ela ficou viúva, pode por às claras o seu amor, conforme me contou… “nem queira saber quanto sofria de medo… se descobrissem… era o nosso fim”. Mas há doze anos casaram. Não havia mais necessidade de se esconderem, nem de fugas cheias de segredo…

Mas mais valia que assim tivesse continuado, dizia o Carlos com os olhos marejados de lágrimas… é que apenas estivemos dois anos sem este fantasma da doença… Há dez anos , depois de uma intervenção cirúrgica, que parecia ser de pouca importância, a Maria teve de começar a fazer quimioterapia… depois já fez mais duas operações… e agora os tratamentos não conseguem ser de seguida, por causa das plaquetas…

“A senhora sabe o que é estar sempre a sofrer pela pessoa que tanto amamos? Eu era menino quando conheci a Maria… foi uma loucura!”

Há momentos na vida que as palavras não saem e ontem estive nessa situação. Quando há uma semana o Carlos me fez as primeiras revelações, fiquei com uma ansiedade imensa. Chorei. Chorei só porque não tive com quem desabafar sobre o assunto… depois, há a ética profissional. Não faria conversa deste assunto a qualquer pessoa… nem tão pouco iria revelar as reais identidades dos intérpretes desta tão triste história…

Ontem o Carlos pediu-me para falar com ele, enquanto esperava que a Maria fosse consultada… eu estava com o Paulo Alexandre, mas ele entendeu. Já passou pelo mesmo…. E só tem quarenta e três anos…

Enquanto estes pensamentos vão escorrendo, o par de passaritos continua no seu melhor diálogo cantante… até eu sinto o amor no ar… por mim própria (não há ninguém que seja merecedor da beleza de um amor que jamais dei fosse a quem fosse – sou mesmo narcísica!!! – este é o meu segredo!)

31.07.07

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