sexta-feira, dezembro 21, 2007

A NOSSA NOITE (?)


Deixei que o corpo se confundisse com os lençóis e os edredões, tão acasalado estava um e outros…
Numa semiobscuridade, o quarto mais parecia uma câmara ardente, pronta para deixar entrar os primeiros visitantes do velório.
Os olhos semicerrados, como estreitas gretas de uma gelosia, apenas via imagens ilusórias, como num filme de terror, entre nevoeiros e sombras…
Senti uma aragem correr pelo quarto o que me fez perceber que a greta da porta se alargara e que possivelmente alguém entrara… Mas não ouvi, nem passos, nem quaisquer ruídos… talvez apenas tenha imaginado.
A respiração curta e lenta deixa subentender que há algo que não está funcionando correctamente, num sistema cárdiorespiratório que era pressuposto estar a trabalhar melhor, não fora o estado febril…
Todos os quadros são consequência das febres altas e os consequentes delírios, os do estertor da morte… mas são mesmo delírios?
Alguém se sentou com desmedido cuidado na borda da cama. Senti o deslizar de uma mão acariciante subindo a perna esquerda, muito devagar, deixando o morno calor passar as cobertas e fazer que uma onda de bem-estar acalmasse o estado semidesfalecido em que me encontrava. Afinal estava mesmo à espera da hora em que todas as luzes se apagassem… Vieste?!
E a mão, ou algo que me fez idealizar que o fosse, deslizou mais e mais e parou na face, circundou o desenho esbatido dos meus lábios e num sumido murmúrio deixou que me parecesse estar a ouvir a tua voz.
O delírio da febre? Não! Só podias ser mesmo tu. Para quê? À espera que de vez deixasse de respirar? Calculo! Querias mesmo testemunhar o último suspiro!
Para quê continuas a mentir? Para quê a teatral farsa, mesmo nas horas que restam a quem já nada espera? O baile das carícias com a ignóbil mentira disfarçada de bom momento… Chega! Não quero findar com mais um engano, mais um sonho que nunca foi mais do que um pesadelo…
Parecem lágrimas… mas tu choras? Ironia! Jamais se chora por quem se detesta, ou por quem se satiriza o gostar… Um grande actor faz verdadeiros milagres!!!
Não me olhes como que um arrependido! Não peças mais desculpas! Agora é tarde e nem sei se terei forças para te olhar, pela última vez…

21.12.07

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